2 de março de 2018

DAVID BOWIE - THE MAN WHO SOLD THE WORLD (1970)


The Man Who Sold the World é o terceiro álbum de estúdio do músico britânico chamado David Bowie. Seu lançamento oficial aconteceu em 4 de novembro de 1970, através do selo Mercury Records. As gravações ocorreram entre os dias 18 de abril e 22 de maio daquele mesmo ano. A produção ficou a cargo de Tony Visconti.

Enfim chegou o momento em que um dos maiores artistas do século passado dará às caras no RAC: David Bowie. Conforme a tradição, resumidamente se falará das origens do músico para depois se ater ao álbum propriamente dito.



Primeiros passos

David Robert Jones nasceu em 8 de janeiro de 1947, em Brixton, no sul de Londres, na Inglaterra. Sua mãe, Margaret, tinha ascendência irlandesa e trabalhava como garçonete enquanto seu pai, Haywood, de Yorkshire, era um oficial de promoções da instituição de caridade infantil Barnardo. (Nota do Blog: a Barnardo's é uma instituição de caridade britânica, fundada por Thomas John Barnardo, em 1866, para cuidar de crianças e jovens em estado de vulnerabilidade).

Bowie frequentou a Stockwell Infants School até os seis anos de idade, adquirindo uma reputação como uma criança talentosa e solitária - e um lutador desafiante.

Em 1953, Bowie mudou-se com sua família para o subúrbio de Bromley, onde, dois anos depois, ele começou a frequentar a Burnt Ash Junior School. Sua voz foi considerada ‘adequada’ pelo coral da escola e ele demonstrou habilidades acima da média ao tocar flauta.

Com a idade de nove anos, sua habilidade na dança, durante as novas aulas de música e movimento, foi considerada impressionantemente imaginativa: os professores chamaram suas interpretações de ‘vividamente artísticas’ e seu equilíbrio de ‘surpreendente’, ambos, para uma criança.

No mesmo ano, seu interesse pela música foi ainda estimulado quando seu pai trouxe para casa uma coleção de vinis americanos de artistas que incluíam nomes como Teenagers, The Platters, Fats Domino, Elvis Presley e Little Richard. Ao ouvir a música “Tutti Frutti”, de Little Richard, Bowie diria anos mais tarde: “Eu havia ouvido Deus”. (Nota do Blog: Richard Wayne Penniman, conhecido como Little Richard, é um músico, cantor, ator, comediante e compositor norte-americano cujos trabalhos mais célebres são originários de meados da década de 1950, quando sua música dinâmica e sua aparição carismática lançaram as bases para o rock and roll).

Também Elvis Presley teve uma grande influência sobre o jovem Bowie, incentivando-o a praticar instrumentos como o ukulele, uma espécie de violão havaiano e o washtub bass. (Nota do Blog: O washtub bass, ou gutbucket, é um instrumento de corda usado na música folclórica americana que usa uma banheira de metal como um ressonador).

Bowie estudou arte, música e design, incluindo layout e composição. Depois que Terry Burns, seu meio-irmão, apresentou-o ao jazz moderno, seu entusiasmo por músicos excepcionais como Charles Mingus e John Coltrane levou sua mãe a lhe dar um saxofone Grafton em 1961; e ele logo estava recebendo lições de um músico local.

Bowie teve uma séria lesão na escola, em 1962, quando seu amigo George Underwood perfurou seu olho esquerdo durante uma briga por causa de uma garota. Após uma série de operações, durante uma hospitalização de quatro meses, seus médicos determinaram que o dano não poderia ser completamente reparado e Bowie ficou com a percepção de profundidade defeituosa e a pupila permanentemente dilatada, o que deu uma falsa impressão da mudança na cor de sua íris.

David Bowie
Apesar da briga, Underwood e Bowie permaneceram bons amigos, e Underwood passou a criar a obra da capa para os primeiros álbuns de David.

Início da carreira musical

Em 1962, Bowie formou sua primeira banda, com 15 anos. Tocando rock baseado em guitarras, em encontros e casamentos locais para jovens, os the Konrads apresentava uma formação que variava entre quatro e oito membros, com Underwood entre eles.

Quando Bowie deixou a escola técnica, no ano seguinte, ele informou a seus pais sobre sua intenção de se tornar uma estrela pop. Sua mãe prontamente conseguiu-o um emprego como assistente de eletricista.

Frustrado por conta das limitadas aspirações de seus companheiros de banda, Bowie deixou o Konrads e se juntou a outro grupo, o King Bees. Ele escreveu para o recém bem-sucedido empresário, John Bloom, convidando-o a “fazer por nós o que Brian Epstein fez pelos Beatles - e conseguir outro milhão”.

Bloom não respondeu à oferta, mas fez referência a um parceiro de Dick James, chamado Leslie Conn, originando o primeiro contrato de gestão pessoal de Bowie. (Nota do Blog: Dick James, nascido Leon Isaac Vapnick, em Londres, foi um editor e cantor musical britânico e, juntamente com seu filho Stephen, fundou o selo e os estúdios de gravação DJM, bem como (com Brian Epstein) a editora dos Beatles, Northern Songs).

Single e mais mudanças

Leslie Conn rapidamente começou a promover Bowie. O single de estreia do cantor, “Liza Jane”, creditado a Davie Jones e ao King Bees, não teve sucesso comercial.

Insatisfeitos com o King Bees e seu repertório que incluíam covers de clássicos do blues de Howlin’ Wolf e Willie Dixon, Bowie desistiu da banda para menos de um mês depois se juntar ao Manish Boys, outro conjunto de blues, mas que incorporava elementos de folk e soul - “Eu sonhava em ser seu Mick Jagger”, Bowie recordava.

Seu cover para “I Pity the Fool”, de Bobby Bland, não obteve mais sucesso que “Liza Jane”, e Bowie logo se juntou ao Lower Third, um trio de blues fortemente influenciado pelo The Who. O single “You've Got a Habit of Leaving” não teve desempenho melhor, sinalizando o fim do contrato com Leslie Conn.

Brevemente, Bowie se manteve com o Lower Third. Seu novo manager, Ralph Horton, o qual mais tarde seria importante em sua transição para artista solo, logo testemunhou a mudança de Bowie para outro grupo, o Buzz, o qual propiciou o quinto lançamento sem sucesso do cantor, “Do Anything You Say”.

Mesmo com o Buzz, Bowie também se juntou ao Riot Squad; cujas gravações incluíam uma canção de David e material cover do Velvet Underground, mas não foram lançadas. Ken Pitt, apresentado por Horton, assumiu o cargo de manager de Bowie.

Mudança de nome artístico e primeiro álbum

Insatisfeito com seu nome artístico como Davy (e Davie) Jones, que em meados da década de 1960 foi confundido com Davy Jones, dos Monkees, Bowie se renomeou inspirado no pioneiro americano do século XIX James Bowie. (Nota do Blog: James ‘Jim’ Bowie foi um pioneiro americano do século XIX, que desempenhou um papel proeminente na Revolução do Texas, culminando em sua morte na Batalha do Álamo. Suas histórias como um lutador e homem da fronteira, tanto reais quanto fictícias, fizeram dele uma figura lendária na história do Texas e um herói popular da cultura americana).

David Bowie, em 1970

Seu single como artista solo, lançado em abril de 1967, “The Laughing Gnome”, não repercutiu em termos de paradas de sucesso. Apenas seis semanas depois, houve o lançamento de seu álbum de estreia, David Bowie, uma mistura de pop, psicodelia e music hall, mas que encontrou o mesmo destino. Foi seu último lançamento por cerca dois anos.

Space Oddity

Bowie conheceu a dançarina Lindsay Kemp, em 1967, e se matriculou em sua aula de dança, no London Dance Center. Ele comentou, em 1972, que a reunião com Kemp aconteceu quando seu interesse pela imagem “realmente floresceu”.

“Over the Wall We Go” tornou-se um single, em 1967, entrando para a disputa do Oscar; outra composição de Bowie, “Silly Boy Blue”, foi lançada por Billy Fury no ano seguinte.

Em janeiro de 1968, Kemp coreografou uma cena de dança para uma peça da BBC, The Pistol Shot, na série Theatre 625, e usou Bowie com uma dançarina, Hermione Farthingale; o casal começou a namorar e se mudou para um apartamento em Londres.

Ao tocar guitarra acústica, Farthingale formou um grupo com Bowie e o guitarrista John Hutchinson; entre setembro de 1968 e início de 1969, o trio fez um pequeno número de concertos que combinavam folk, merseybeat, poesia e mímica.

Bowie e Farthingale romperam no início de 1969, quando ela foi para a Noruega para participar de um filme, Song of Norway; isso o afetou e várias canções, como “Letter to Hermione” e “Life on Mars?” fazem referência a ela. Para o vídeo que acompanha “Where Are We Now?”, ele usou uma camiseta com as palavras “m/s Song of Norway”. Eles ficaram juntos pela última vez em janeiro de 1969, na filmagem de Love You till Tuesday, um filme de 30 minutos que não foi lançado até 1984.

Após a ruptura com Farthingale, Bowie se mudou, com Mary Finnigan, como seu inquilino. Durante este período, ele apareceu em um comercial dos sorvetes Lyons Maid e foi rejeitado para outro do Kit Kat.

Entre fevereiro e março de 1969, ele realizou uma breve turnê com a dupla de Marc Bolan, Tyrannosaurus Rex, realizando um ato de mímica. Em 11 de julho de 1969, “Space Oddity” foi lançado, cinco dias antes do lançamento da Apollo 11 e alcançou o Top 5 no Reino Unido.

Continuando com a divergência entre rock and roll e blues, iniciados por seu trabalho com Farthingale, Bowie juntou forças com Finnigan, Christina Ostrom e Barrie Jackson para se apresentar em um clube popular nas noites de domingo, no pub Three Tuns, em Beckenham High Street.

O popular movimento Arts Lab, o qual influenciou Bowie, organizou um festival gratuito, em um parque local, e tornou-se o tema de sua música “Memory of a Free Festival”.

O segundo álbum de Bowie saiu em novembro; originalmente emitido no Reino Unido com o nome David Bowie, causando alguma confusão com seu antecessor de mesmo nome, e o lançamento nos EUA foi intitulado, inicialmente, Man of Words/Man of Music.

O disco foi reeditado, internacionalmente, em 1972, pela RCA Records, com o nome de Space Oddity. Apresentando letras filosóficas pós-hippie sobre paz, amor e moralidade, tinha uma sonoridade apostando em um rock acústico popular, ocasionalmente fortificado pelo Hard Rock, e o álbum não foi um sucesso comercial no momento de seu lançamento.

Já em 1972, atingiria a 17ª posição da principal parada britânica. A faixa “Space Oddity” se tornaria um clássico da carreira do músico.

Bowie conheceu Angela Barnett, em abril de 1969. Eles se casaram dentro de um ano. Seu impacto sobre ele foi imediato e seu envolvimento em sua carreira de longo alcance, deixando o manager de Bowie, Ken Pitt, com influência limitada – e que ele acharia frustrante.

Tendo se estabelecido como um artista solo em Space Oddity, Bowie começou a sentir falta de uma banda em tempo integral, para shows e gravações - pessoas com as quais ele poderia se relacionar pessoalmente.

Uma banda foi devidamente reunida: John Cambridge, um baterista que Bowie conheceu no Arts Lab, juntou-se a Tony Visconti no baixo e Mick Ronson na guitarra. Conhecido como the Hype, os colegas de grupo criaram personagens para si próprios e usaram trajes elaborados, que prefiguravam o estilo glam dos Spiders from Mars.

Depois de um desastroso show de abertura. no London Roundhouse, eles voltaram a uma configuração apresentando Bowie como artista solo.

O trabalho inicial, no estúdio, foi prejudicado por um acalorado desacordo entre Bowie e Cambridge, por conta do estilo de bateria do último. Tudo veio à tona quando um furioso Bowie acusou o baterista de distúrbio, exclamando: “Você está fodendo meu álbum”.

Bowie com Mick Ronson
Cambridge saiu sumariamente e foi substituído por Mick Woodmansey. Pouco tempo depois, o cantor demitiu seu manager e o substituiu por Tony Defries. Isso resultou em anos de litígio que se concluíram com Bowie tendo que pagar uma compensação a Pitt.

The Man Who Sold the World

Então, se deu o tempo de preparar seu terceiro disco de estúdio, o que se tornaria The Man Who Sold the World.

O álbum foi composto e ensaiado na casa de David Bowie em Haddon Hall, Beckenham, uma mansão eduardiana convertida em um bloco de apartamentos a qual foi descrita, por um visitante, como tendo um ambiente ‘como a sala de estar de Dracula’.

Como Bowie estava preocupado com sua nova esposa na época, Angie, as músicas foram organizadas, em grande parte, pelo guitarrista Mick Ronson e pelo baixista/produtor Tony Visconti.

Embora Bowie seja oficialmente creditado como compositor de toda a música no álbum, o biógrafo Peter Doggett citou Visconti afirmando que “as músicas foram escritas por todos nós (quatro). Nós ficamos no porão, e Bowie simplesmente dizia se gostava ou não”.

Na narrativa de Doggett, “A banda (às vezes com guitarra contributiva de Bowie, às vezes não) gravava uma faixa instrumental, que poderia ou não se basear em uma idéia original de Bowie. Então, no último momento possível, Bowie, relutantemente, desceu do sofá em que ele estava se debruçando com sua esposa e lançou um conjunto de letras”.

Apesar do aborrecimento com a fixação de Bowie na vida conjugal, durante a gravação de The Man Who Sold World, Visconti ainda o avaliou como o melhor trabalho com Bowie até Scary Monsters (And Super Creeps), de 1980.

O próprio Bowie comentou, em uma entrevista de 1998, dizendo que “eu realmente me opus à impressão de que não escrevi as músicas em The Man Who Sold the World. Você só precisa verificar as mudanças de acordes. Ninguém escreve mudanças de acordes como aquelas”.

“The Width of a Circle” e “The Supermen”, por exemplo, já existiam antes das sessões terem começado. Ralph Mace tocou um sintetizador modular Moog, emprestado por George Harrison; Mace era um pianista de concertos, de 40 anos, e também era chefe do departamento de música clássica da Mercury Records.

Composição

Muito de The Man Who Sold the World possui uma abordagem Heavy Metal, que o distingue de outros lançamentos de Bowie e foi comparado a atos contemporâneos como Led Zeppelin e Black Sabbath.

O disco também proporcionou alguns desvios musicais incomuns, como o uso de ritmos latinos para manter a melodia na faixa-título.

O peso sonoro do álbum foi combinado com a temática, que inclui insanidade (“All the Madmen”), assassinos e comentários sobre a Guerra do Vietnã (“Running Gun Blues”), um computador onisciente (“Saviour Machine”), e, em “The Width of a Circle”, um encontro sexual - com Deus, o Diabo ou algum outro ser sobrenatural, de acordo com diferentes interpretações - nas profundezas do inferno.

O trabalho também foi visto como refletindo a influência de figuras como Aleister Crowley, Franz Kafka e Friedrich Nietzsche.

Capa

A versão original norte-americana de The Man Who Sold the World, de 1970, usou um desenho semelhante ao de uma obra do amigo de Bowie, Michael J. Weller, com um cowboy na frente do asilo mental de Cane Hill. Weller, cujo amigo era um paciente lá, sugeriu a ideia depois que Bowie pediu que ele criasse um projeto que capturasse o tom de pressentimento da música.

Com base em estilos de arte pop, Weller retratou um bloco de entrada principal triste para o hospital com uma torre de relógio danificada. Para o primeiro plano do projeto, ele usou uma fotografia de John Wayne (para desenhar uma figura de cowboy vestindo um chapéu de dez galões e um rifle), e que foi uma alusão à música “Running Gun Blues”. (Nota do Blog: John Wayne, nome artístico de Marion Robert Morrison, foi um premiado ator dos Estados Unidos).

Bowie sugeriu a Weller que incorporasse a assinatura da ‘cabeça explosiva’ no chapéu do vaqueiro, uma característica que ele usara anteriormente em seus pôsteres enquanto fez parte do Arts Lab.

Ele também adicionou um balão de discurso vazio, para a figura do vaqueiro, que pretendia ter a mensagem “enrolar as mangas e nos mostrar seus braços” (em inglês: roll up your sleeves and show us your arms) - um trocadilho para jogadores, armas e uso de drogas - mas a Mercury Records a vetou e o balão foi deixado em branco.

De acordo com o biógrafo de Bowie, Nicholas Pegg, “neste momento, a intenção de David era nomear o álbum de Metrobolist, uma brincadeira com Metropolis, de Fritz Lang: o título permanecera nas caixas das fitas mesmo depois que a Mercury havia lançado o LP, na América, como The Man Who Sold the World. (Nota do Blog: Metropolis é um filme expressionista alemão, de 1927, com temática de ficção científica e dirigido por Fritz Lang).

A capa original de The Man Who Sold the World

Bowie ficou entusiasmado com o projeto acabado, mas logo reconsiderou a ideia e foi ao departamento de arte da Philips Records, uma subsidiária da Mercury, recrutando o fotógrafo Keith MacMillan para fazer uma capa alternativa.

Uma foto foi tirada em um ‘ambiente doméstico’, da sala de estar do Haddon Hall, onde Bowie reclinou-se em uma espreguiçadeira em um ‘vestido de homem’, de cetim, nas cores creme e azul, uma clara indicação inicial de seu interesse em explorar sua aparência andrógina. O vestido foi projetado pelo estilista britânico Michael Fish.

Nos Estados Unidos, a gravadora Mercury rejeitou a foto de MacMillan e lançou o álbum com o design de Weller como capa, para o desagrado de Bowie, embora ele tenha pressionado o selo para usar a foto no lançamento do disco no Reino Unido.

Em 1972, David afirmou que o design de Weller era ‘horrível’, mas o reapreciou em 1999, dizendo que “na verdade, acho que a capa dos desenhos animados era realmente legal”.

Ao promover The Man Who Sold the World, nos EUA, Bowie vestiu o vestido de Fish, em fevereiro de 1971, em sua primeira turnê promocional e durante entrevistas, apesar do fato dos americanos não terem conhecimento da nova capa, ainda não liberada no Reino Unido.

A versão alemã, de 1971, apresentou a capa com uma criatura alada. Híbrida, com a cabeça de Bowie e uma mão saindo do corpo, preparando-se para afastar a Terra.

A reedição do álbum, de 1972, lançada em todo o mundo pela RCA Records, usou uma imagem em preto e branco de Ziggy Stardust (personagem que Bowie criaria depois) na capa. Esta imagem permaneceu como a arte de capa, em reedições, até 1990, quando o relançamento pelo selo Rykodisc reintegrou a capa britânica do ‘vestido’.

Vamos às faixas:

THE WIDTH OF A CIRCLE

O álbum abre com uma bela canção, "The Width of a Circle", a qual permite a junção de melodias suaves e belas com uma dose considerável de peso, alternando agressividade com passagens mais intimistas. O trabalho do baixista Tony Visconti é excelente, bem como o do guitarrista Mick Ronson. Faixa incrível!

A letra refere-se a um encontro sexual com um deus/demônio nos confins do inferno:

His nebulous body swayed above
His tongue swollen with devil's love
The snake and I, a venom high
I said "Do it again, do it again"
(Turn around, go back!)

“The Width of a Circle” foi composta, por Bowie, em 1969 e já havia aparecido em diversos shows antes mesmo do lançamento de The Man Who Sold the World.

Ela está presente em diversos lançamentos ao vivo do cantor, muitas vezes em versões estendidas, como nas presentes em Live Santa Monica '72, de 1972; e em Ziggy Stardust – The Motion Picture, de 1983, por exemplo.



ALL THE MADMEN

A bela "All the Madmen" se inicia de modo suave, com um toque leve e uma interpretação mais contida de Bowie. Mas, logo na sequência, a música vai ganhando peso e a guitarra de Mick Ronson assume o protagonismo. Louvável a atuação do baterista Mick Woodmansey. Trata-se de um Hard Rock com pequenos toques Progressivos, como o Moog bem evidente. Outra baita canção!

A letra remete à insanidade:

Here I stand, foot in hand, talking to my wall
I'm not quite right at all
Don't set me free, I'm as helpless as can be
My libido's split on me
Gimme some good 'ole lobotomy

Bowie afirmou que a música foi escrita para e sobre seu meio-irmão, Terry, um esquizofrênico e interno da instituição mental de Cane Hill até seu suicídio, em 1985.

As letras incluem referências à lobotomia, ao tranquilizante Librium e a EST, ou terapia de eletrochoque, um tratamento controverso para alguns tipos de depressão profunda e doenças mentais.

“All the Madmen” foi lançada, pela Mercury Records, sob a forma editada como um single promocional (com a mesma música em ambos os lados), nos Estados Unidos, em dezembro de 1970, antes mesmo da turnê promocional de Bowie, por lá, no início de 1971.

Em junho de 1973, a RCA Records, a qual reeditou o álbum original da música no ano anterior, emitiu “All the Madmen” como single, na Europa Oriental, apoiado por “Soul Love”, esta presente no clássico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars.

Bowie tocou a música, ao vivo, na turnê de Glass Spider, de 1987, embora não tenha sido incluída no lançamento do vídeo com estes shows até a Special Edition, em DVD, em 2007 (no qual foi lançada apenas como uma faixa de áudio).

Juntamente a “After All”, do mesmo álbum, “All the Madmen” foi citada como uma influência significativa em bandas como Siouxsie and the Banshees, The Cure e Nine Inch Nails.

Em 2015, a edição do single promocional da música foi oficialmente lançado pela primeira vez, em Re: Call 1, parte da compilação Five Years (1969-1973).

Entre as versões covers mais conhecidas estão as de Alien Sex Friend, Jeannie Lewis e Max Lorentz.



BLACK COUNTRY ROCK

Embora as guitarras continuem afiadas, o clássico "Black Country Rock" é um pouco menos densa que as composições que a precedem. Um rock com DNA setentista, guitarra proeminente, pegada Glam, ou seja, certo peso, muita melodia e uma dose inconteste de balanço. Genial!

A letra possui uma visão otimista:

Some say the view is crazy
But you may adopt another point of view
So if it's much too hazy
You can leave my friend and me with fond adieu

“Black Country Rock” é normalmente descrita como um “respiro” ao peso, musical e temático, do restante do álbum. Seu estilo foi comparado ao da banda Tyrannosaurus Rex, de Marc Bolan, até o vibrato imitativo de Bowie no verso final.

“Black Country Rock” aparece como lado B do single “Holy Holy”, de 1971, e do single português de “Life on Mars?”, de 1973.

Entre as versões covers mais famosas está a da banda punk Big Drill Car.



AFTER ALL

"After All" possui um ar mais sombrio e uma perspectiva mais escurecida. Os vocais mais contidos de Bowie são perfeitos para a abordagem instrumental proposta, também pouco expansiva e mais sóbria. A atmosfera mais enigmática é inquietante.

A letra revela um pensamento determinista sobre a humanidade:

We're painting our faces
And dressing in thoughts from the skies
From paradise
But they think that we're holding a secretive ball
Won't someone invite them
They're just taller children, that's all, after all

Como muito de The Man Who Sold the World, as letras de “After All” são imbuídas de filosofia de Nietzschian Übermensch (“O homem é um obstáculo, triste como o palhaço”).

O verso “Viver até o seu renascimento e fazer o que quiser” é frequentemente citada como homenagem ao ocultista Aleister Crowley e seu ditum: “Faça o que quiser”.

O estilo foi inspirado pela ‘ligeiramente sinistra, melancolia medida’ de músicas que Bowie recordava desde sua infância, como “Inchworm”, de Danny Kaye.

Tal como acontece com “All the Madmen”, a atmosfera gótica de “After All” foi citada como uma influência significativa em bandas como Siouxsie and the Banshees, The Cure e Bauhaus.

Entre versões covers famosas estão a de Tori Amos e Billie Ray Martin.



RUNNING GUN BLUES

Em "Running Gun Blues", Bowie apresenta uma proposta sonora mais convencional, contando com um Hard/Blues Rock calcado no baixo onipresente de Tony Visconti e na guitarra dominante de Mick Ronson. O resultado é contagiante.

A letra tem uma mensagem de dor e guerra:

It seems the peacefuls stopped the war
Left generals squashed and stifled
But I'll slip out again tonight
Cause they haven't taken back my rifle
For I promote oblivion
And I'll plug a few civilians



SAVIOUR MACHINE

Com a seção rítmica bastante presente e oferecendo um peso extra, "Saviour Machine" possui uma abordagem Heavy/Hard bem acentuada. Os vocais de Bowie são ótimos e o Moog também aparece com destaque. Ótima música.

A letra possui uma crítica à fé:

Don't let me stay, don't let me stay
My logic says burn so send me away
Your minds are too green, I despise all I've seen
You can't stake your lives on a Saviour Machine



SHE SHOOK ME COLD

O peso de "She Shook Me Cold" assombra ouvintes mais desavisados, com a canção remetendo a bandas "Proto Metal", como o Blue Cheer, por exemplo. O trabalho das guitarras é impressionante e a seção rítmica enfurecida dá uma agressividade extra à composição.

A letra tem teor sexual:

I was very smart
Broke the gentle hearts
Of many young virgins
I was quick on the ball
Left them so lonely
They'd just give up trying

O título prévio da faixa era ‘Suck’.

“She Shook Me Cold” possui um nome com semelhança à música de Muddy Waters, “You Shook Me”, a qual foi gravada por Jeff Beck para o então recente álbum Truth.

As letras são sobre um encontro heterossexual com referências a sexo oral. Versões covers foram feitas por bandas como Skin Yard e Pain Teens.



THE MAN WHO SOLD THE WORLD

Só o riff espetacular de "The Man Who Sold the World" já valeria todo o disco, mas a clássica composição de Bowie é muito mais que isso. A atuação brilhante de David nos vocais e de Visconti no baixo são incríveis. Enfim, palavras são desnecessárias. Clássico genial!

A letra pode ser interpretada como existencialista:

I laughed and shook his hand
And made my way back home
I searched for form and land
For years and years I roamed
I gazed a gazeless stare
At all the millions here
We must have died alone
A long long time ago

“The Man Who Sold the World” é um clássico da carreira de David Bowie.

A persona na música tem um encontro com um tipo de doppelgänger, como sugerido no segundo refrão onde “Eu nunca perdi o controle” é substituído por “Nós nunca perdemos o controle”. Além disso, o episódio é inexplicável, como escreveu James E. Perone:

Bowie encontra o personagem do título, mas não está claro exatamente o que a frase significa, ou exatamente quem é esse homem... O principal que a música faz é pintar - por mais elucidamente que seja - o personagem do título como outro exemplo dos marginalizados da sociedade, que povoam o álbum”.

Em comum com uma série de outras faixas do disco, os temas da música foram comparados às obras de fantasia e horror de H. P. Lovecraft.

As letras também são citadas como refletindo as preocupações de Bowie com personalidades fragmentadas ou múltiplas, e acredita-se que tenham sido parcialmente inspiradas pelo poema “Antigonish”, de William Hughes Mearns.

Entre as versões mais famosas estão a que o Nirvana fez para o seu aclamado show acústico.



THE SUPERMEN

A nona - e última - faixa de The Man Who Sold the World é "The Supermen". Na derradeira canção do disco, Bowie opta por uma abordagem mais tradicional presente no trabalho, ou seja, um Rock/Hard dominado pela guitarra de Mick Ronson. Bons vocais, seção rítmica inspirada e a guitarra afiada perfazem uma grande música!

A letra critica falsos deuses:

Far out in the red-skies
Far out from the sad eyes
Strange, mad celebration
So softly a supergod cries

A música foi citada como refletindo a influência do romantismo alemão, seu tema e letras referentes às visões apocalípticas de Friedrich Nietzsche.

Bowie disse mais tarde: “Eu ainda estava passando pela coisa quando eu estava fingindo que eu entendi Nietzsche... E eu tentei traduzi-lo em meus próprios termos para entender isso", então Supermen “saiu disso”.

Críticos também viram a influência das histórias de HP Lovecraft em “deuses idosos dormentes”.

De acordo com o próprio Bowie, Jimmy Page lhe deu o riff de guitarra quando este foi guitarrista de estúdio da banda Shel Talmy, em meados da década de 1960, e tocou em um dos primeiros lançamentos de Bowie, “I Pity the Fool”.

O riff foi usado, mais tarde, em outra música de Bowie, “Dead Man Walking”, do álbum Earthling, em 1997.

Uma versão alternativa da música foi gravada em 12 de novembro de 1971, durante as sessões para The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Ela apareceu, pela primeira vez, no álbum Revelations - A Musical Anthology for Glastonbury Fayre, em julho de 1972, compilado pelos organizadores do Glastonbury Festival, no qual Bowie tocou em 1971.

Mais tarde, ela foi lançada como uma faixa bônus, no CD e fita cassete, na reedição de Hunky Dory, em 1990, e novamente no disco bônus Ziggy Stardust - 30th Anniversary Reissue, em 2002.

Versões covers incluem nomes como Aquaserge e Death Grips.



Considerações Finais

The Man Who Sold the World tinha excelentes canções e manteve a carreira de David Bowie em uma curva ascendente.

The Man Who Sold the World geralmente foi mais bem-sucedido, comercial e criticamente, nos EUA que no Reino Unido, quando foi lançado pela primeira vez.

As publicações musicais Melody Maker e NME classificaram-no como “surpreendentemente excelente” e “bastante histérico”, respectivamente. John Mendelsohn, da Rolling Stone, chamou o álbum de “uniformemente excelente” e comentou que o “uso do eco, o phasing e outras técnicas na voz de Bowie, (...) serviram para reforçar a irritação das palavras e da música de Bowie”, que John interpretou como “imagens oblíquas e fragmentadas que são quase impenetráveis separadamente, mas que transmitem com eficácia um sentido irônico e amargo do mundo quando considerado em conjunto”.

As vendas não foram altas o suficiente para abalarem as paradas de sucesso em qualquer país, na época, no entanto, o álbum atingiu a ótima 24ª posição da principal parada britânica, enquanto alcançou apenas a modesta 105ª colocação de sua correspondente norte-americana, mas, ambas, apenas após o seu relançamento, em 25 de novembro de 1972, na sequência do avanço comercial de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars.

The Man Who Sold the World já foi citado como inspirador do rock gótico, da onda sombria e elementos de ficção científica no trabalho de artistas como Siouxsie and the Banshees, The Cure, Gary Numan, John Foxx e Nine Inch Nails.

Em seu diário, Kurt Cobain, do Nirvana, listou-o no 45º lugar de seus 50 álbuns favoritos. Em 1993, o Nirvana tocou sua faixa-título para seu MTV Unplugged, televisionado de Nova York. Alega-se, inclusive, que o glam rock tenha começado com o lançamento deste disco, embora isso esteja longe da unanimidade.

Em uma revisão retrospectiva para o site AllMusic, o editor sênior, Stephen Thomas Erlewine, cita The Man Who Sold the World como “o início do período clássico de David Bowie” e elogiou sua “guitarra forte e pesada, que parece simples na superfície, mas aparece mais nodosa a cada audição”.

Erlewine deu uma nota 4,5 de um máximo de 5, vendo a música e os “contos futuristas paranoicos” de Bowie, como “bizarros”, acrescentando que “Musicalmente, não há muita inovação... é quase todo o hard/blues rock ou o folk rock psicodélico - mas há um limite inquietante para o desempenho da banda, que faz do álbum um dos melhores de Bowie”.

Em uma revisão após a reedição do álbum, a revista Q o considerou “um caso robusto e sexualmente carregado”, enquanto a Mojo o descreveu como “um conjunto robusto que gira com uma desorientação vertiginosa... O arsenal de Bowie estava sendo montado apressadamente, embora nunca fosse implementado com um novo e emocionante abandono novamente”.

Para promover o disco nos EUA, a Mercury Records financiou uma turnê de publicidade de costa a costa, por todo o país, através da qual Bowie, entre janeiro e fevereiro de 1971, foi entrevistado por estações de rádio e mídia.

Em dezembro de 1971, David Bowie lançaria seu quarto álbum de estúdio, o excelente Hunky Dory.



Formação:
David Bowie – Vocal, Guitarras, Stylophone, Órgão, Saxofone
Mick Ronson – Guitarras, Backing Vocals
Tony Visconti – Baixo, Piano, Violão, Flauta, Backing Vocals
Mick Woodmansey – Bateria, Percussão
Ralph Mace - Sintetizador Modular Moog

Faixas:
01. The Width of a Circle (Bowie) - 8:05
02. All the Madmen (Bowie) -5:38
03. Black Country Rock (Bowie) - 3:32
04. After All (Bowie) - 3:52
05. Running Gun Blues (Bowie) - 3:11
06. Saviour Machine (Bowie) - 4:25
07. She Shook Me Cold (Bowie) - 4:13
08. The Man Who Sold the World (Bowie) - 3:55
09. The Supermen (Bowie) - 3:38

Letras:
Para o conteúdo completo das letras, recomenda-se o acesso a: https://www.letras.mus.br/david-bowie/

Opinião do Blog:
Finalmente o RAC se rende e coloca em suas páginas um dos artistas mais incríveis do século XX e alguém para o qual a palavra gênio definitivamente não é exagero: David Bowie.

Bowie teve uma carreira longa e prolífica, variando e experimentando várias vertentes musicais, quase sempre com a mesma competência e genialidade, seja em sua consagrada carreira-solo quanto em suas parcerias e participações com outros artistas. Conhecer a obra de David Bowie é uma obrigação para os amantes da boa música.

Evidentemente, como o nome de nosso humilde Blog sugere, a preferência por aqui é por seus primeiros trabalhos, mais voltados para o Rock, embora, ressalte-se mais uma vez, sugere-se que o leitor procure toda a carreira do saudoso músico.

Em The Man Who Sold the World, David Bowie faz um disco de Rock, mas com um pé fincado no Hard Rock. Além disto, os ouvintes mais atentos percebem sua genialidade ao encontrarem passagens Folk, Prog, Glam por todo o disco.

E o disco só é formidável pelo fato de Bowie ser acompanhado por uma banda formidável. Mick Ronson faz um ótimo trabalho na guitarra, Mick Woodmansey está muito bem na bateria e o baixo de Tony Visconti é um dos maiores destaques para o Blog.

David Bowie possui uma voz única e sua capacidade de interpretação é uma faceta de seu talento incrível. O álbum é uma amostra, fidedigna, da capacidade de David como compositor e letrista, pois sempre há detalhes para se ler, ouvir e, sobretudo, refletir e contemplar.

The Man Who Sold the World é um disco cuja audição flui de modo orgânico e suave. Aqui não há música desnecessária e nem de enchimento.

"The Width of a Circle" possui uma pegada Hard e Bluesy fascinante, além de flertar com o Folk de modo encantador. "Black Country Rock" é um clássico contagiante e a intensidade de "Saviour Machine" e seu fabuloso riff impressionam.

Mas as (mais) preferidas do RAC são a fabulosa faixa-título e a excessivamente subestimada "She Shook Me Cold".

Enfim, finalmente o RAC fez justiça a um dos maiores nomes da música em todos os tempos, o genial David Bowie. The Man Who Sold the World é uma pequena amostra de sua genialidade e, ainda assim, um álbum essencial para fãs, não apenas do Rock, mas da boa música em geral. Disco mais que recomendado!

3 comentários:

  1. Dos quatro álbuns lançados por Bowie antes do estrelato com "Ziggy Stardust", este é o melhor, na minha opinião. "Width of a Circle" e "The Man Who Sold the World" são aquelas músicas que te pegam já de cara, mas tem muitas coisas boas no disco, como "All the Madmen", "The Supermen" e "She Shook me Cold". É interessante que a presença de Mick Ronson neste álbum conferiu mais peso às músicas, o que não ocorreria em "Hunky Dory".
    Mais recentemente, dois lançamentos jogam um pouco mais de luz sobre esse período da carreira do Bowie, "Metrobolist" - que não muda tanto assim em relação a "The Man..." e "The WIdth of a Circle", com singles, sessões da BBC, versões alternativas - este é altamente recomendável!

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    1. Nó, faz tempo que não ouço este disco, certamente não o fiz após minha doença... vou procurar este "The WIdth of a Circle" para saber do que se trata. Valeu, amigo!

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  2. É um bom lançamento, com boa qualidade sonora, livreto informativo e várias fotos interessantes. Nem todo o material é inédito, mas as sessões de rádio são muito boas. É como "Conversation Piece", mas restrito a dois CDs

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