7 de novembro de 2019

LE ORME - COLLAGE (1971)



Collage é o segundo álbum de estúdio da banda italiana Le Orme. Seu lançamento oficial aconteceu em 1971, mesmo ano em que foi gravado, em Milão na Itália. O selo responsável foi o Phillips e a produção ficou por conta de Gian Piero Reverberi.

O RAC traz, pela primeira vez em suas páginas, o tão famoso Rock Progressivo italiano, com o álbum Collage, da banda Le Orme. Depois da tradicional contextualização, abranger-se-á o faixa a faixa.


Origens

O primeiro núcleo do grupo foi formado em Marghera, um subúrbio industrial de Veneza, por iniciativa do guitarrista veneziano Nino Smeraldi e de Aldo Tagliapietra, então com 21 anos, que havia sido o vencedor de uma competição para jovens compositores e estava insatisfeito com o conjunto com o qual tocava, o Corals, uma banda cover típica do final dos anos sessenta.

Junto ao baixista Claudio Galieti e ao baterista Marino Rebeschini, foi fundado o Le Orme.

O primeiro núcleo optou inicialmente por se chamar ‘Le Ombre’, em homenagem à banda inglesa The Shadows, uma paixão em comum do quarteto, mas, segundo a versão oficial, os quatro optaram por Le Orme, para evitar duplos significados irônicos, pois, na língua veneziana, também significa ‘copo de vinho’ (de n'ombra de vin veneziano, ou seja, um copo de vinho).

Além disso, naquele tempo, um grupo emergente com esse nome (Le Ombre) já existia no Veneto.

Primeiras gravações

Rejeitada pela gravadora Emi, pela qual fez um teste, essa primeira formação gravou um único single, “Fiori e colori” (1967), produzido por Tony Tasinato, pelo selo CAR Juke Box, do maestro italiano Carlo Alberto Rossi.

O single, de acordo com a moda daquela época, também foi gravado em inglês com o título “Flowers and Colors”.

Apenas um dia após a publicação, o baterista Marino Rebeschini desistiu de tocar com o grupo para cumprir seus deveres militares e foi substituído por Michi Dei Rossi, do grupo Hopopi, na época a banda líder na cena veneziana que acabara de participar do evento Liverpool Beat Festival, a convite dos espanhóis do Los Bravos.

Em 1968, o Le Orme ganhou uma certa fama, graças a suas apresentações ao vivo no então famoso restaurante Piper, em Roma.

O conjunto gravou um novo single, “Senti l'estate che torna”. Com esta peça, também publicada em inglês com o título “Summer Comin'”, ele participou da competição Un disco per l'estate: para essa participação, foi contratado um novo músico, o tecladista Tony Pagliuca , fundador do Hopopi, então recentemente dissolvido.

No final do mesmo ano, os cinco entraram no estúdio de gravação para gravar seu primeiro álbum, Ad gloriam. Como dizia o título, o disco foi registrado apenas ‘para a glória’, pois os cinco sabiam que a operação era arriscada e que o trabalho teria tido pouco sucesso comercial, como de fato aconteceu, e isso causou a fim das relações com o selo CAR Juke Box.

Tony Pagliuca

Mais mudanças

Em 1969, o baixista Galieti foi forçado a abandonar o grupo por causa do serviço militar, e Tagliapietra foi quem o substituiu na função. Dei Rossi, também chamado às armas, permaneceu tocando de qualquer maneira, sendo substituído por um curto período por Dave Baker, inglês, com quem a banda gravou o single “Irene” (também publicado em inglês com o título “She lives for today”) e mais duas faixas, que deveriam ter permanecido apenas como audições, uma breve proposta do “Concerto de Brandenburgo n.3”, de Johann Sebastian Bach, e “Blue Rondò à la Turk”, clássico de Dave Brubeck.

A gravação deste single representou, de fato, a gênese do rock progressivo italiano, mas só foi publicada em 1973, pois, em 1969, não era considerada adequada para o público local.

Essas duas peças também marcaram o avanço musical do grupo, abandonando assim as notas fáceis do estilo Beat, base de Ad gloriam, para sempre.

Consolidação

Naquela época, o grupo gravou e publicou outros singles, reunidos em L'aurora delle Orme, uma espécie de compilação que, lançada sem a autorização do grupo, logo foi retirada do mercado: seria republicada apenas muitos anos depois.

As diferenças de opinião entre Pagliuca, que queria focar o som da banda no teclado, e Smeraldi, que preferia que o conjunto se concentrasse em sua guitarra solo, foram as causas da saída deste último.

Smeraldi não foi substituído e, portanto, o grupo rapidamente se viu de um quinteto a um trio, naquela que é geralmente identificada como sua ‘formação clássica’: Tagliapietra no baixo, guitarra e vocais, Pagliuca no teclado e Dei Rossi na bateria.

Após a saída de Smeraldi, Pagliuca é o primeiro dos músicos italianos a inferir que a música beat já está saindo de cena e que o novo pop sinfônico, vindo do Reino Unido, em breve seria um sucesso também na Itália.

Pagliuca confirmaria isso em sua primeira viagem a Londres, onde conhece Armando Gallo, jornalista-fotógrafo da revista especializada Ciao 2001, que o apresenta não somente a uma Londres pós-Beatles, mas também a grupos como Quatermass, The Nice, Yes e Emerson, Lake & Palmer.

De volta a Veneza, ele convence seus companheiros de Le Orme (Aldo Tagliapietra e Michi dei Rossi) a experimentarem e a desenvolverem novas linguagens musicais. Nasce também uma viagem à Ilha de Wight, para vivenciarem a nova onda de rock no Festival de 1970.

Aldo Tagliapietra

Collage

O trio mudou de gravadora, passando primeiro pela Telegram (subsidiária da Phonogram) e depois ficou na Philips Records, com a qual lançou o single “Il profumo delle viole” e, em 1971, o álbum Collage.

O registro aborda temas muito atuais (como prostituição em “Era inverno”). Apesar da profunda tristeza das letras, destaca-se o esforço criativo do grupo em busca de novos estilos: acima de tudo, destaca-se a intenção de se afastar dos esquemas padrões, sem renunciá-los.

O vínculo com a música clássica é de fundamental importância, tanto que a peça de abertura, “Collage”, contém uma seção de cravo retirada da famosa sonata K 380, de Domenico Scarlatti.

Destaca-se também a peça “Cemento armato”, uma tentaiva à beira do rock experimental e “Evasione totale” e “Immagini”, composições sutilmente influenciadas pelo rock psicodélico que caracterizou o início do conjunto.

Vamos às faixas:

COLLAGE

"Collage" é a abertura totalmente instrumental do disco e uma pequena amostra do que está por vir. Os teclados de Tony Pagliuca são a força dominante da composição, em uma clara referência ao ELP. Ótima música.



ERA INVERNO

"Era Inverno" é mais convencional, em uma abordagem Rock, com influência Pop, em uma melodia suave e, ao mesmo tempo, tocante. Ótimos vocais de Tagliapietra e bom trabalho do baterista Dei Rossi.

A letra fala sobre uma prostituta:

Un' attrice che non cambia scena
Diecimila, ventimila,
Nelle mani del cliente
Che possiede la tua finta gioia




CEMENTO ARMATO

A emocionante "Cemento Armato" é uma das provas mais cabais de como o Rock Progressivo pode ser incrível. Sua riqueza melódica é traduzida na real demonstração de habilidades dos três músicos em seu longo interlúdio instrumental, mas, que de forma harmônica, existe para enriquecer a composição. Clássica!

A letra põe um olhar pessimista na vida da cidade:

La casa è lontana, gli amici di ieri
È tutto svanito, non li ricordo più
Cemento armato la grande città
Senti la vita che se ne va



SGUARDO VERSO IL CIELO

"Sguardo Verso Il Cielo" possui um certo quê do primeiro disco do King Crimson e foi uma faixa amplamente influente para o Prog italiano, afinal, ela mantém a estrutura da música clássica: compacidade do som e preciosidade nos arranjos.

A letra pode ser inferida como uma reflexão sobre esperança:

La maschera di un clown in mezzo a un gran deserto
un fuoco che si spegne, uno sguardo verso il cielo
uno sguardo verso il cielo, dove il sole è meraviglia
dove il nulla si fa mondo, dove brilla la tua luce

Sguardo verso il cielo” foi lançada como single e fez algum barulho dentro das paradas italianas, graças, em boa parte, à divulgação pela rádio RAI.



EVASIONE TOTALE

Evasione Totale” é uma canção bem experimental, apontando para aquilo que a banda faria nos anos subsequentes: esferas psicodélicas muito bem reproduzidas e total domínio durante as passagens instrumentais, especialmente aquelas guiadas pelo Moog.

A letra brinca com luz e trevas:

Non finirà il mio viaggio con te
non finirà io lo sento, è già tardi
e la realtà fuggita
e sempre il buio vedrò



IMMAGINI

"Immagini" aposta na suavidade e em uma abordagem mais introspectiva. A canção se revela um convite à imaginação do ouvinte a desenvolver as imagens descritas pela letra recitada por Tagliapietra.

A letra apresenta um local bucólico:

Un ruscello sulla luna,
Un giardino in mezzo al sole,
Un cipresso nel deserto,
tutti i prati color viola
E lei non c'è
lei non c'è




MORTE DI UN FIORE

A sétima - e última - faixa de Collage é "Morte di un Fiore". O álbum se encerra com uma música que ainda remete à fase anterior do Le Orme, ou seja, há reminiscências do Beat do disco de estreia. Mas é uma canção agradável, mesmo sem ser brilhante.

A temática da letra é a morte:

Ti sei fatta ritrovare
nel mezzo di un prato
dentro ai tuoi logori blue jeans



Considerações Finais

Collage é uma amostra inicial de todo o talento do Le Orme.

Embora não tenha repercutido em termos das principais paradas de sucesso, a norte-americana e a britânica, Collage entrou no Top 10 da parada italiana.

O disco, feito com a contribuição decisiva do produtor Gian Piero Reverberi, é muito influenciado pelo Quatermass, e convencionalmente considerado o primeiro disco de rock progressivo italiano, sendo o precursor desse ‘novo gênero musical’ que em muito pouco tempo aconteceu em todo o país.

O projeto é coroado de sucesso: este é um dos álbuns que abre, para as bandas italianas, um modo de rock com sabor internacional. Para as partes cantadas, os efeitos eletrônicos que dão à voz um som levemente metálico são característicos.

O disco é caracterizado pelos sons típicos do gênero, como o uso massivo de teclados. As faixas como “Era inverno” e “Morte di un fiore”, respectivamente, falam de prostituição e morte violenta (talvez por overdose) e esta se tornaria uma característica bastante comum do grupo, ou seja, querer abordar, com suas próprias canções, temas discutíveis, ou, na época, tabus.

François Couture, do site AllMusic, dá ao trabalho uma nota 3 (em 5), atestando: “(…) É também o primeiro álbum a apresentar o som de rock progressivo do trio, embora em um estágio embrionário. Como tal, é um pacote misto. Por um lado, você obtém pomposos exercícios excessivos de teclados que devem muito ao Nice (“Collage”, “Sguardo Verso Il Cielo”), e até arranjos orquestrais. Por outro lado, você também recebe músicas como “Era Inverno” e “Morte di un Fiore”, ambas músicas prog italianas típicas (com violão), anunciando o que será o som clássico do Le Orme”.

Acidamente, Couture conclui: “Se Collage representa um grande passo em relação a Ad Gloriam (estréia do Le Orme em 1969), não é nada comparado ao que Uomo di Pezza (1972) representará em termos de evolução. Ainda assim, Collage produziu dois cortes clássicos ("Sguardo Verso Il Cielo" e a faixa-título)”.

Em 2015, a BTF republicou o disco em uma edição limitada em vinil transparente com as mesmas capa e encarte da edição original. O álbum deu seu nome ao grupo musical da Sardenha, Collage.

Um novo disco de estúdio viria já em 1972, com o antológico Uomo di pezza.



Formação:
Tony Pagliuca - Teclados
Aldo Tagliapietra - Vocal, Baixo, Guitarra
Michi Dei Rossi - Bateria, Percussão

Faixas:
01. Collage (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 4:49
02. Era inverno (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 5:05
03. Cemento armato (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 7:13
04. Sguardo verso il cielo (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 4:19
05. Evasione totale (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 7:01
06. Immagini (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 3:03
07. Morte di un fiore (Pagliuca/Tagliapietra/Reverberi) - 3:05

Letras:
Para o conteúdo completo das letras, recomenda-se o acesso a: https://www.letras.mus.br/le-orme/

Opinião do Blog:

Finalmente o RAC traz para suas páginas o famoso Rock Progressivo Italiano, com uma de suas bandas seminais: Le Orme.

Composta por músicos de qualidade insofismável, é praticamente impossível traçar um destaque individual na banda, pois todo o trio desempenha um papel formidável durante a obra. Ainda assim, o Blog se permite apontar Tony Pagliuca como um ponto mais alto, pois muitas vezes é o tecladista quem guia os caminhos por onde o grupo desenvolve suas canções.

Collage apresenta a sonoridade ‘Prog’ que o Le Orme consagraria, mas ainda em desenvolvimento. As habilidades musicais de seus componentes estão lá, nitidamente, e são elas quem fornecem esta fusão de sonoridades, com clara abordagem sinfônica, mudanças de andamentos, belos arranjos e um indiscutível toque mediterrâneo.

As intensas passagens instrumentais e o Moog de Pagliuca são elementos distintivos do disco e um ponto a que o ouvinte precisa de se atentar.

Outro componente importante do trabalho são suas letras, avançadas para a sociedade italiana da época (muito religiosa), com textos que fogem da simplicidade. Valem uma conferida.

Entre as preferidas do RAC estão “Collage”, “Cemento Armato” e o clássico Sguardo Verso il Cielo”.

Enfim, Collage é uma obra de vanguarda para o Rock Italiano, sendo muito influente em seu país de origem e de qualidade inquestionável. Uma boa amostra da categoria do Le Orme, e uma introdução para um conjunto extremamente acima da média. Disco muito bem recomendado pelo Blog!

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